Crítica
O descaso estampado à beira de estrada
Por Jader Galam Ruivo | 12/07/2023
Minha nota:
Mildred Hayes (Frances McDormand) aluga três outdoors por um ano colocando mensagens criticando e cobrando a falta de eficiência e atenção da polícia local com o caso de assassinato e estupro de sua filha.
O longa é dirigido pelo talentoso Martin McDonagh, responsável pelo ótimo In Bruges (2008). Em Três Anúncios para um Crime ou Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, o diretor tem uma mão sútil e discreta (não da maneira ruim), tendo a intenção de priorizar as atuações do filme não priorizando tanto detalhes técnicos e efeitos de filmagem. Na maioria do tempo, McDonagh mantém a câmera quieta e leve, permitindo o peso e carga dos personagens conduzirem a história.
O roteiro – também escrito por McDonagh – é majestoso, ele cria diversas conexões não percebidas a primeira vista entre os personagens do longa, criando situações e mostrando lados da história de forma brilhante. Nada ali está por acaso, qualquer fala ou ato cometido por qualquer personagem se distribui somatoriamente na narrativa, complementando as ações do resto do elenco. Sempre de forma inesperada, ao você achar que decifrou um personagem, novas camadas surgem fazendo com que o espectador fique constantemente vigilante esperando o próximo passo. É total pureza na causa e consequência.
O elenco ganhou diversos e diversos prêmios em 2018 com muita justiça, pois estão todos perfeitos. Há um ar de ironia imenso nas interpretações. Em alguns momentos do filme totalmente imprevisíveis, o elenco joga na nossa cara a maior pureza do cinema, é movie magic total em sua forma mais pura: roteiro, contextualização, circunstância e efeito.
De forma temática e objetiva de mensagens, o filme também é muito rico tratando de culpa, arrependimento, tristeza, vazio, ineficiência, intuição, justiças e injustiças, racismo, abuso de poder entre outros temas. Há um ligeiro humor ácido e tóxico no ar que é proposital, já que em sua essência o filme fala abrangentemente sobre a toxicidade do ódio e falta de consideração ao próximo na sociedade, é como raiva corroendo raiva gerando mais raiva.
É nesse deleite que a vencedora de TRÊS Oscars, Frances McDormand, brilha, e brilha muito, é sem medo que eu digo que ela é quiçá a atriz mais talentosa de sua geração. A personagem transmite de um lado a profunda e espessa tristeza de quem passou por uma tragédia inimaginável, mas a fúria e força fala mais alto. O filme tem momentos fortíssimos estabelecendo o mais puro tom de uma personagem que não tem mais nada à perder, mas o desamparo com o descaso sempre vai falar mais alto. É uma interpretação completa, e é por isso que Frances McDormand deve dormir com o Oscar que ela ganhou por esse filme no criado ao lado da cama.
O vencedor do Oscar de Ator Coadjuvante – também por este filme -, é o talentoso Sam Rockwell, que interpreta um ignorante imbecil total, racista e abusador de poder. O ar retrógado que ele trás na tela é IMPRESSIONANTE em caixas alta mesmo. O personagem de Rockwell tem um dos arcos mais fascinantes da história do cinema.
Woody Harrelson que foi indicado ao Oscar também por este filme, interpreta o ‘Chief’ da cidade que à primeira vista parece cair em um clichê grande mas nos mostra totalmente o contrário, sendo um personagem com camadas, super complexo e instrumental para o decorrer da história.
Há também excelentes interpretações de Peter Dinklage, John Hawkes e Caleb Landry Jones tendo personagens importantíssimos para a história do filme. A maior virtude do filme é o elenco. A trilha sonora com destaque no violão, nos conduz a aqueles faroestes clássicos, retratando lugares hostis e sem leis.
Três Anúncios para um Crime é um filme violento, enfurecido e sombrio sobre o pior e o melhor que o ser humano tem a oferecer, fazendo ter demorado seis anos para ver o filme ser o meu maior erro na minha “carreira de cinéfilo”.