Crítica
Gigante Pela Própria Natureza
Por Jader Galam Ruivo| 08/11/2024
Era janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, durante a Ditadura Militar, quando alguns homens, que diziam pertencer à Aeronáutica, invadiu a casa de Rubens Paiva na intenção de levá-lo para “depor pra justiça”. Este foi o último dia que sua esposa, Eunice Paiva, e seus filhos Marcelo Rubens Paiva, Vera Sílvia Facciolla Paiva, Maria Eliana Facciolla Paiva, Ana Lúcia Facciolla Paiva e Maria Beatriz Facciolla Paiva viram Rubens. A partir deste ponto, a vida da família virou de ponta cabeça fazendo com que Eunice cuidasse de seus 5 filhos sozinha.
O longa é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que narra a história de sua família após o acontecido, principalmente focando no ponto de vista da matriarca Eunice.
Delicadíssimo, necessário, singelo, agoniante… vários adjetivos podem definir o que Ainda Estou Aqui joga em cena. O filme dirigido por Walter Salles e estrelado de forma E S T U P E N D A por Fernanda Torres é um soco no estômago nos transportando para o Brasil da década de 70 durante a Ditadura Militar. A história de Rubens Paiva ficou famosa no país inteiro por ele ser uma pessoa mais midiática, sendo Deputado Federal durante alguns anos, mas esta é uma história que aconteceu com mais de 1.800 pessoas, sendo tiradas de suas casas à força, torturadas em cárcere privado, presas e desovadas em algum lugar qualquer do país tendo seus corpos nunca mais encontrados por seus familiares.
O roteiro escrito por Murilo Hauser e Heitor Lorega é certeiro demais. Ele começa fazendo com que o espectador se apaixone pelo personagem do Rubens Paiva, vivido brilhantemente por Selton Mello, mostrando tua raiz mais amorosa, teu apego mais suave e teu senso de humor mais delicado, mostrando também como a casa da família Paiva é um personagem vívido, situada na Av. Delfim Moreira, no Leblon, você atravessava a rua e já estava com os pés na areia da praia. Após Rubens ser levado, o roteiro vira a história de Eunice.
Acho que é impossível expressar minimamente a qualidade do elenco deste filme sem metralhar superlativo atrás de superlativo ou ficar preso em um eufemismo eterno. Fernanda Torres faz de Eunice simplesmente a melhor atuação do ano pra mim, chega a ser formidável e concreta a complexidade atrás do olhar dela neste filme. Existe alguém que conseguiria ser tão cativante vivendo Rubens Paiva quanto o Selton Mello? Creio que não. Ele nos coloca na palma de sua mão, como se fossemos teu melhor amigo, um convidado regular da casa da família Paiva, seus olhares, sua voz, é tudo tão perfeito que só poderia ser ele.
A direção madura de Walter Salles é sóbria, sem grandes alardes ou cenas emocionalmente apelativas. O diretor prefere percorrer a linha do singelo do que ir pela linha da exposição dramática, trazendo assim um drama familiar psicológico e não visceral.
A trilha sonora não poderia ser mais perfeita, tanto a original, composta por Warren Ellis, quanto as canções selecionadas a dedo. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros artistas que descreviam o Brasil daquela época estão presentes aqui.
Acho interessante e justa a esperança por um Oscar para o Brasil jogada em cima de Ainda Estou Aqui, aliás, indicação esta que não nos é concedida desde Cidade de Deus. Mais justo ainda é aqueles que sentem até hoje quando Gwyneth Paltrow praticamente arrancou a estatueta das mãos da Fernanda Montenegro em 1999. Mas quer saber?! O Brasil não precisa do Oscar, o Oscar que precisa do Brasil.
Ainda Estou Aqui é um filme que nos mostra que para defender a Ditadura Militar ou se é doente, burro ou qualquer coisa que o diminua intelectualmente. Mas acima de tudo, nos mostra que nenhum direito conquistado pelo nosso povo está a salvo, e sim que devemos estar sempre lutando constantemente pelo que é nosso. És belo, és forte, impávido colosso, e o teu futuro espelha esta grandeza, terra adorada.
“para defender a Ditadura Militar ou se é doente, burro ou qualquer coisa que o diminua intelectualmente. ” Wowwwww