Anatomia de Uma Queda

Por Jader Galam Ruivo | 18/02/2024

Minha nota:

Uma família formada por mãe, pai, filho e um cachorro moram em uma pequena cidade isolada nos Alpes. Um dia, o pai é encontrado morto caído em frente a casa, e sua esposa é a principal suspeita.

É isso, essa é a premissa de Anatomie D’une Chute, ou no Brasil, Anatomia de Uma Queda, dirigido por Justine Triet. À primeira vista pode parecer básico demais, somente mais um filme cujo acontece um assassinato e temos que descobrir quem foi… mas sabe o mais interessante? É realmente isso.

Justine Triet consegue pegar uma trama de tribunal tradicional e tornar em um dos casos mais interessantes vistos em cenas nos últimos anos do cinema. Eu sempre gosto de dizer que a magia do cinema é deixar a entender e não explicar, aqui no caso de Anatomia de Uma Queda o caso envolvendo Sandra Voyter e Samuel Maleski é discutido em tribunal com cada pessoa do júri, da defesa e dos acusados dando suas próprias versões sobre o caso. O mais interessante é que o filme de maneira ALGUMA consegue dar uma pista mínima sequer sobre o que realmente aconteceu, afinal, do que vale palavras se não temos provas? É como uma pessoa envolvida no caso diz ‘Você não pode dizer que Stephen King é um serial killer só porque ele escreve sobre isto’.

Pra mim o longa tem o melhor roteiro do ano (e um dos melhores dos últimos anos), chega a ser um deleite como Justine Triet e Arthur Harari transformam um acontecimento tão absurdo em basicamente um livro sendo contado em tela, como se estivéssemos vendo os roteiristas escrevendo aquilo em tempo real, é brilhante.

O elenco é perfeito, Sandra Hüller tem a melhor interpretação feminina do ano e Milo Machado Graner faz o papel de seu filho com deficiência visual, e entrega com maestria o necessário ao filme. Hüller faz sua personagem transmitir TUDO com incerteza, chega a ser impossível você ter alguma mínima certeza sobre qualquer coisa que ela diz, é sutileza em cima de cuidado em cima de desespero e por aí vai. Já Milo consegue nos transmitir um certo medo e desespero interno, uma intensidade que claramente é muito para uma criança daquela idade, afinal, não é fácil decidir acreditar em quem você ama ou acreditar no que você realmente acha que aconteceu.

Com uma direção meticulosa, Justine Triet consegue nos deixar confuso com movimentos de câmera dispersos, mudanças de ponto de vista quando o caso é visto pelo filho do casal, objetos em cenas que dispersa (ou captura) a atenção do público e é claro, uma distribuição cinematográfica muito longa e perfeita em cenas de tribunal.

O longa foi o vencedor do Palma de Ouro (Palme d’or), que é o prestígio máximo do Festival de Cannes e está indicado a inúmeras categorias no Oscar. Chega a ser uma pena que a França não tenha escolhido o filme para representar o país na categoria de Melhor Filme Internacional.

Anatomia de Uma Queda é um estrondo, ele abre a porta estourando a maçaneta e impressiona muito o espectador com uma história contada minúcia à minúcia e perfeitamente encaixadinha. O filme revela-se como um intricado labirinto da psique humana, onde cada cena é uma peça no quebra-cabeça de uma vida. Ao contemplar a queda seja ela psicológica ou física, somos confrontados com dores e angústias, mas também com uma certa coragem e resiliência. E assim, ao fecharmos os olhos diante dos créditos finais, permanece conosco a sensação de que a queda, afinal, é apenas uma ascensão de uma obra poderosíssima.